sábado, 14 de abril de 2012
AS ELEIÇÕES ( Capítulo XIV do livro Os bruzundangas)
DENTRE as muitas superstições políticas do nosso tempo, uma das mais curiosas é sem
dúvida a das eleições. Admissíveis quando se trata de pequenas cidades, para a escolha de
autoridades verdadeiramente locais, quase municipais, como eram na antiguidade, elas tomam
um aspecto de sortilégio, de adivinhação, ao serem transplantadas para os nossos imensos
estados modernos. Um deputado eleito por um dos nossos imensos distritos eleitorais, com as
nossas dificuldades de comunicação, quer materiais, quer intelectuais, sai das urnas como um
manipanso a quem se vão emprestar virtudes e poderes que ele quase sempre não tem. Os seus
eleitores não sabem quem ele é, quais são os seus talentos, as suas idéias políticas, as suas vistas
sociais, o grau de interesse que ele pode ter pela causa pública; é um puro nome sem nada atrás
ou dentro dele. O eleito, porém, depois de certos passes e benzeduras legais, vai para a Câmara
representar-lhes a vontade, os desejos e, certamente, procurar minorar-lhes os sofrimentos, sem
nada conhecer de tudo isto.
A superstição eleitoral é uma das nossas cousas modernas que mais há de fazer rir os
nossos futuros bisnetos.
Na Bruzundanga, como no Brasil, todos os representantes do povo, desde o vereador até ao
presidente da república, eram eleitos por sufrágio universal, e, lá, como aqui, de há muito que os
políticos práticos tinham conseguido quase totalmente eliminar do aparelho eleitoral este
elemento perturbador — “o voto”.
Julgavam os chefes e capatazes políticos que apurar os votos dos seus concidadãos era
anarquizar a instituição e provocar um trabalho infernal na apuração porquanto cada qual votaria
em um nome, visto que, em geral, os eleitores têm a tendência de votar em conhecidos ou
amigos. Cada cabeça, cada sentença; e, para obviar os inconvenientes de semelhante fato, os
mesários da Bruzundanga lavravam as atas conforme entendiam e davam votações aos
candidatos, conforme queriam.
Na capital da Bruzundanga, Bosomsy, onde assisti diversas eleições, o espetáculo delas é o
mais ineditamente pitoresco que se pode imaginar.
As ruas ficam quase desertas, perdem o seu trânsito habitual de mulheres e homens
atarefados; mas para compensar tal desfalque passam constantemente por elas carros,
automóveis, pejados de passageiros heterogêneos. O doutor-candidato vai neles com os mais
cruéis assassinos da cidade, quando ele mesmo não é um assassino; o grave chefe de seção,
interessado na eleição de F., que prometeu fazê-lo diretor; o grave chefe, o homem severo com
os vadios de sua burocracia, não trepida em andar de cabeça descoberta, com dous ou três
calaceiros conhecidíssimos. A fisionomia aterrada e curiosa da cidade dá a entrever que se está à
espera de uma verdadeira batalha; e a julgar-se pelas fisionomias que se amontoam nas seções,
nos carros, nos cafés, e botequins, parece que as prisões foram abertas e todos os seus hóspedes
soltos, naquele dia.
Raro é o homem de bem que se faz eleitor, e se se alista, para atender a pedido
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